Um resumo de tópicos materiais e indicadores ESG para empresas do setor de SANEAMENTO, serviços de água e esgoto.
As empresas deste setor possuem e operam sistemas de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, geralmente estruturados como empresas de serviços públicos regulamentados, ou fornecem serviços operacionais e outros serviços de água especializados para as empresas proprietárias dos sistemas, conforme necessidades de mercado. Os sistemas de abastecimento de água incluem a captação, tratamento e distribuição de água para residências, empresas e outras entidades. Os sistemas de águas residuais tratam esgoto doméstico, comercial, águas cinzas e efluentes industriais, bem como realizam o escoamento de águas pluviais, antes do descarte do efluente resultante de volta ao meio ambiente.
É importante salientar que, neste artigo, não serão contempladas atividades relacionadas a projetos e desenvolvimento de infraestrutura, que estão relacionadas ao setor de engenharia e serviços de construção.
De acordo com norma SASB WATER UTILITIES & SERVICES – Sustainability Accounting Standard revisada em junho de 2023, sob responsabilidade do International Sustainability Standards Board (ISSB) da IFRS Foundation, os temas relacionados a ESG que afetam o valor das empresas deste setor, a serem gerenciados e reportados para stakeholders são, no mínimo, os elencados na Tabela 1.
Tabela 1 – Temas materiais para o setor de saneamento (utilidades e serviços de água e esgoto).
Considerando o impacto financeiro e o direcionamento desta norma ao público de investidores, os temas acima foram elencados como os de maior interesse para avaliação, estabelecimento de políticas, indicadores, metas e acompanhamento. São temas críticos do ponto de vista de geração de riscos e oportunidades para essa indústria.
Neste artigo, detalhamos um pouco mais sobre cada tema relacionado na Tabela 1 e respectivos indicadores, para que possam ser entendidos tanto o motivo da escolha, quanto a importância desses assuntos. Obviamente que a gestão relacionada a ESG pode partir de uma análise mais ampla de públicos, interesses e objetivos, resultando em uma maior quantidade de temas e indicadores do que os elencados aqui. No entanto, o objetivo não é fazer uma análise exaustiva, mas um resumo para se ter em mente quando se avalia o valor de uma empresa desse setor a curto, médio e longo prazo.
1) MEIO AMBIENTE
> Gestão energética
As empresas do setor de utilidades e serviços de água consomem quantidades significativas de energia para a retirada, transporte, tratamento e distribuição de água potável e descarte de efluentes. Normalmente, o maior custo operacional de uma empresa depois dos custos operacionais de água, produtos químicos, mão de obra e serviços públicos adquiridos, é o uso de energia.
A eletricidade da rede adquirida é o insumo energético mais comum. Em locais mais remotos, as empresas podem utilizar a geração local para alimentar equipamentos. A utilização ineficiente da eletricidade cria externalidades ambientais, tais como o aumento das emissões de gases com efeito de estufa de escopo 2. As regulamentações ambientais podem afetar o futuro mix energético da rede, resultando em aumentos de preços.
Além disso, espera-se que as alterações climáticas tenham impacto na confiabilidade da rede e afetem a disponibilidade de recursos hídricos. Como resultado, a intensidade energética dos serviços de abastecimento de água poderá aumentar no futuro, à medida que o acesso aos recursos hídricos se tornar mais difícil. Os tratamentos da água visando fontes alternativas, como a reciclagem e a dessalinização, também podem exigir mais energia. Juntamente com as decisões sobre a utilização de combustíveis alternativos, energias renováveis e produção local de eletricidade, a eficiência energética de uma empresa pode influenciar tanto no custo, como na confiabilidade do abastecimento energético e, consequentemente no fornecimento de água e serviços associados.
Indicadores essenciais para gestão e monitoramento desse tópico seriam:
(1) total de energia consumida; (2) porcentagem da eletricidade proveniente da rede; (3) porcentagem renovável.
> Eficiência da rede de distribuição
As empresas desse setor desenvolvem, mantêm e operam redes complexas e interligadas de infraestrutura, que incluem tubulações extensas, canais, reservatórios e estações de bombeamento. As redes de distribuição podem perder volumes significativos de água (chamada “água não faturada” porque é um volume distribuído de água não refletido nas faturas dos clientes). Esta água é perdida principalmente devido a falhas e ineficiências de infraestrutura, como vazamentos em tubulações e conexões de serviço.
As perdas reais de água não geradoras de receitas podem ter impacto no desempenho financeiro, aumentar as taxas de consumo e desperdiçar água e outros recursos, como energia e produtos químicos de tratamento. Por outro lado, as melhorias na infraestrutura e nos processos operacionais podem limitar as perdas não relacionadas com receitas, aumentar as receitas e reduzir os custos.
Direcionar de forma eficiente as despesas operacionais e de manutenção ou as despesas de capital para os sistemas de distribuição, incluindo principalmente a reparação, renovação ou substituição de tubulações e ligações de serviço, podem aumentar o valor da empresa e proporcionar maiores retornos de investimento.
Os indicadores a serem reportados e gerenciados sobre este assunto devem incluir ao menos:
(1) taxa de substituição da rede de abastecimento de água;
(2) volume de perdas reais de água não faturada.
> Gestão da qualidade de efluentes
As instalações de tratamento de água e esgoto produzem efluentes que representam potenciais riscos ambientais e para a saúde humana.
Os efluentes contêm resíduos e sólidos resultantes de produtos químicos utilizados no processo de tratamento e contaminantes removidos provenientes de entradas de água bruta ou de águas residuais. O efluente tratado é descartado em corpos d’água superficiais ou bombeado para águas subterrâneas. Os potenciais impactos ambientais variam dependendo do processo de tratamento e descarte. Adicionalmente, consumidores e reguladores estão cada vez mais preocupados com substâncias como produtos químicos desreguladores endócrinos (endocrine-disrupting chemicals – EDCs), que as estações de tratamento de esgoto normalmente não tratam. Como resultado dos riscos ambientais associados aos seus efluentes, as instalações de tratamento estão sujeitas a extensas regulamentações ambientais destinadas a controlar e monitorar seu impacto.
À medida que a análise minuciosa, tanto pública quanto regulatória, sobre a qualidade dos efluentes aumenta, com novos contaminantes de preocupação emergente (CPEs), as empresas precisarão inovar e garantir que os efluentes não sejam prejudiciais ao meio ambiente ou à saúde humana. Descargas de efluentes que excedam os limites máximos podem resultar em penalidades regulatórias significativas, e episódios frequentes podem comprometer a licença social de operação de uma concessionária.
Por fim, as empresas podem gerir ativamente os impactos financeiros resultantes deste tópico, através de infraestrutura e planejamento adequados, atenção à manutenção e operação de equipamentos, bem como o emprego de mão de obra devidamente capacitada e experiente para o trabalho.
Indicadores importantes a serem acompanhados sobre esse tema são relacionados a:
(1) número de incidentes de não conformidade associados a licenças, padrões e regulamentações de qualidade de efluentes;
(2) discussão de estratégias para gerenciar contaminantes de preocupação emergente.
2) CAPITAL SOCIAL
> Acessibilidade e acesso à água
O acesso confiável à água potável é comumente visto como um direito humano básico. Preços razoáveis e acessíveis são um componente deste direito. Assim, estruturar as tarifas de água de uma forma que a comunidade considere justa é fundamental para o valor das empresas de serviços públicos de água. As empresas que conseguem trabalhar com as entidades regulatórias para implementar estruturas tarifárias que aumentam os níveis de acessibilidade da comunidade são susceptíveis de criar maior estabilidade financeira e potencialmente concretizar oportunidades de crescimento – especialmente à luz da natureza subfinanciada das infraestruturas hídricas em muitas regiões do mundo.
Por outro lado, os serviços de abastecimento de água que utilizam mecanismos tarifários que inibem o acesso à água, ou que são proibitivamente caros para as populações de baixos rendimentos, podem enfrentar oposição da comunidade. As empresas devem garantir preços e acesso justos, bem como taxas que possam financiar adequadamente as infraestruturas a longo prazo, fornecer água potável segura e tratamento adequado de esgoto, e obter um retorno de capital compatível.
As métricas para acompanhamento desse tema são:
– Taxa média de água no varejo para (1) clientes residenciais, (2) comerciais e (3) industriais.
– Conta de água mensal típica para clientes residenciais, para entrega de 10 Ccf (28,32 m3) de água por mês.
– Número de cortes de água de clientes residenciais por falta de pagamento, percentual de religações em 30 dias.
– Discussão do impacto de fatores externos na acessibilidade do cliente à água, incluindo as condições econômicas nas localidades de fornecimento dos serviços.
> Qualidade da água potável
As empresas do setor devem garantir que a água esteja em conformidade com a regulamentação vigente, de acordo com as expectativas dos clientes e que seja entregue de forma confiável. Para proteger a saúde humana e salvaguardar o valor da empresa, as empresas devem proteger as fontes de água de forma a evitar sua contaminação, o que pode reduzir os processos necessários e custos de tratamento.
Processos de tratamento completos são projetados, desenvolvidos e mantidos para atender aos padrões de qualidade da água, enquanto a água final produzida é monitorada rotineiramente quanto à conformidade e segurança. Eventos naturais, como incêndios florestais e inundações, também podem impactar a qualidade das fontes de água.
No geral, as empresas investem recursos significativos para fornecer água potável aos clientes de forma consistente. A falha no fornecimento de água de qualidade adequada pode resultar em multas regulamentares, litígios, aumento dos custos operacionais ou despesas de capital, risco reputacional, apreensão de bens ou embargo nas operações.
Indicadores sobre qualidade da água potável minimamente necessários seriam:
– Número de não conformidades com (1) efeitos agudos na saúde, (2) efeitos não agudos na saúde e (3) efeitos não relacionados à saúde.
– Discussão de estratégias para gerenciar contaminantes de preocupação emergente na água potável.
3) MODELO DE NEGÓCIO & INOVAÇÃO
> Eficiência no uso final
A eficiência e conservação da água no uso final (nível do consumidor) – quer seja como consequência de diretrizes governamentais, consciência ambiental ou tendências demográficas locais – é cada vez mais importante para a disponibilidade de recursos a longo prazo e o desempenho financeiro do seguimento de abastecimento de água do setor.
A forma como os serviços públicos trabalham com as entidades reguladoras para mitigar as quedas de receitas e, ao mesmo tempo, aumentar a eficiência dos recursos no uso final pode ser financeiramente relevante. Os mecanismos de eficiência hídrica, incluindo a dissociação das tarifas, podem garantir que as receitas dos serviços prestados cubram adequadamente os seus custos fixos e proporcionem o nível de retorno desejado, independentemente do volume de vendas, ao mesmo tempo que incentivam os clientes a pouparem água.
Os mecanismos de eficiência podem alinhar os incentivos econômicos com os interesses ambientais e sociais, incluindo uma maior eficiência dos recursos, tarifas mais baixas e maiores investimentos de capital em infraestrutura. As concessionárias de água podem gerir os impactos do mecanismo tarifário através de relações positivas de regulamentação, cenários tarifários futuros, que incorporem a eficiência e a execução de uma forte estratégia para este fim.
Neste sentido, as empresas devem gerir e reportar alguns indicadores como:
(1) Porcentagem das receitas dos serviços de abastecimento de água provenientes de estruturas tarifárias concebidas para promover a conservação e a resiliência das receitas.
(2) Economia de água dos clientes devido a medidas de eficiência, por tipo de mercado.
> Resiliência do abastecimento de água
Os sistemas de abastecimento de água geralmente obtêm água de fontes subterrâneas e superficiais. O abastecimento de água pode ser acessado diretamente ou proveniente de terceiros, geralmente uma entidade governamental. A escassez de água, a contaminação das fontes de água, as falhas de infraestrutura, as restrições devido a regulamentação, os usuários concorrentes e o consumo excessivo por parte dos clientes são fatores que podem comprometer o acesso a um abastecimento de água suficiente. Estas questões, combinadas com um risco crescente de secas extremas e frequentes devido às mudanças climáticas, podem levar a abastecimentos inadequados ou a restrições de água obrigatórias.
Os impactos financeiros podem manifestar-se de diferentes formas, dependendo da estrutura tarifária, mas têm maior probabilidade de impactar o valor da empresa através da diminuição das receitas. Os desafios no abastecimento de água também podem levar a aumentos no preço da água adquirida, o que pode resultar em custos operacionais mais elevados. Falhas em infraestruturas críticas, como aquedutos e canais, como resultado de eventos naturais como terramotos ou enchentes, podem representar riscos catastróficos para os clientes do sistema de abastecimento de água e infligir consequências financeiras incalculáveis. As empresas são capazes de mitigar os riscos do abastecimento de água (e os riscos financeiros resultantes) através da diversificação do abastecimento de água, uso de fontes de captação sustentáveis, melhorias tecnológicas e na infraestrutura, planos de contingência, relações positivas com reguladores e outros grandes usuários, assim como estruturas tarifárias.
Indicadores utilizados para supervisão deste tema são:
(1) Total de água proveniente de regiões com estresse hídrico alto ou extremamente alto, percentual adquirido de terceiros.
(2) Volume de água reciclada entregue aos clientes.
(3) Discussão de estratégias para gestão de riscos associados à qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos.
> Resiliência da rede e impactos das mudanças climáticas
É provável que as mudanças climáticas criem incerteza empresarial nos sistemas de abastecimento de água e sistemas de esgotamento sanitário devido aos potenciais impactos nas infraestruturas e nas operações. As mudanças climáticas podem levar ao aumento do estresse hídrico, eventos climáticos extremos mais frequentes, à redução da qualidade da água e ao aumento do nível do mar, o que pode prejudicar os bens de concessionárias ou a sua capacidade de funcionamento. O abastecimento de água, a coleta de esgotos e eliminação de efluentes tratados são serviços básicos para os quais a manutenção da operação contínua é da maior importância.
A crescente frequência e intensidade de tempestades desafiam as instalações de tratamento de água e esgoto e podem afetar a continuidade do serviço. A precipitação intensa pode levar a volumes de esgoto que excedem a capacidade das estações de tratamento, resultando no lançamento de efluentes não tratados. Minimizar os riscos atuais e futuros de interrupções e qualidade dos serviços pode exigir investimentos de capital e despesas operacionais adicionais. À medida que a probabilidade de eventos climáticos extremos aumenta, as empresas que endereçam adequadamente estes riscos por meio de redundâncias e planeamento estratégico estão em posição de atender melhor aos seus clientes e ter uma performance superior a seus pares.
Esta questão pode ser gerida e monitorada utilizando-se os seguintes indicadores:
– Capacidade de tratamento de esgotos e efluentes localizadas em zonas de inundação de 100 anos.
– (1) Número e (2) volume de transbordamentos de esgoto sanitário, (3) percentual de volume recuperado.
– (1) Número de interrupções de serviço não planejadas e (2) clientes afetados, cada um por categoria de duração.
– Descrição dos esforços para identificar e gerir riscos e oportunidades relacionados com o impacto das mudanças climáticas na distribuição de água e na infraestrutura de esgotos/efluentes.
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Referências:
– SASB Standards. Disponível em:
https://www.sasb.org/standards/materiality-finder/find/?industry[]=IF-WM&lang=en-us . Acesso em: setembro, 2023.
WATER UTILITIES & SERVICES – Sustainability Accounting Standard, de junho de 2023